ALDO CALVET
ALDO CALVET
LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW SPRING 1984
LEMBRANÇAS DA COMPANHIA DRAMÁTICA NACIONAL ALDO CALVET
Em junho do corrente ano fez 30 anos que se realizou no Rio de Janeiro, então capital da República, uma iniciativa meritória a cargo do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Educação e Cultura. Pela primeira vez na história do teatro do Brasil foi posto em atividade um organismo de inteira responsabilidade do Governo com a finalidade precípua de recrutar elementos nos diversos segmentos das artes cênicas e levar a efeito temporadas seguidas e regulares com autores, intérpretes e técnicos exclusivamente brasileiros. Falamos da Companhia Dramática Nacional que nos anos de 1953 e 1954 estreou no Teatro Municipal, oferecendo ao espectador da então Capital Federal e dos Estados da Federação espetáculos de elevado nível artístico, poro isso mesmo obtendo marcante êxito tanto de crítica como de público.
Por se tratar de um fato histórico que a distância do tempo vai pondo no esquecimento, fomos ouvir o depoimento do organizador e idealizador da “Dramática”, Aldo Calvet, nosso Conselheiro-Diretor e também um dos redatores da Revista de Teatro da SBAT.
- A “Dramática” – como eu disse na época – tal como se tornara conhecida, foi a segunda tentativa do SNT, pois que a primeira, na gestão de Abadie Faria Rosa, sob o título de “Comédia Brasileira”, aconteceu em 1940 mas logo foi transformada em sociedade civil, por entraves burocráticos. Claro que eu tinha um grande conhecimento do assunto. Fui durante 2 anos Diretor-Secretário da “Comédia Brasileira”. Confesso que não havia verba para manifestação cultural. Apesar das dificuldades, obtive da clarividência do Senador Aloysio de Carvalho Filho uma Emenda no Orçamento da União de um milhão de cruzeiros. Procurei planificar os trabalhos por meio de Portaria Ministerial, tendo contado com o mais decidido apoio do Ministro Ernesto Simões Filho. É importante transcrever os termos do ato oficial que instituiu a “Dramática”: “Portaria-MEC nº 139, de 10.03.53 – Dispõe sobra a Cia. Dramática Nacional – O Ministro de Estado da Educação e Saúde, atendendo ao que lhe propôs o Serviço Nacional de Teatro, resolve:
I. A Companhia Dramática Nacional (C.D.N.) fica estruturada nos termos da presente portaria.
II. A Companhia Draática Nacional tem como finalidade dar a autores, atores, diretores e cenógrafos brasileiros a oportunidade de uma aplicação conjunta dos seus conhecimentos em espetáculos de alto nível artístico.
III. Destina-se a C.D.N. a realizar espetáculos de teatro declamado, a preços populares, na capital da República, nos Estados e Territórios.
IV. A C.D.N. somente montará peças de autores brasileiros, com o objetivo de estimular o desenvolvimento da literatura dramática nacional.
V. Só brasileiros integrarão o elenco da C.D.N., dele podendo fazer parte, além de profissionais, alunos diplomados com distinção pelos cursos do Serviço Nacional de Teatro.
VI. Na seleção do repertório da C.D.N. levar-se-á em conta não só o alto nível literário das peças, mas também o seu valor teatral.
VII. Fica o Diretor do Serviço Nacional de Teatro autorizado a designar ou admitir, no período de duração das temporadas, nos termos da legislação e normas vigentes, o pessoal da C.D.N.
VIII. Ao Conselho Consultivo do mesmo Serviço compete eleger a Comissão de Honra da C.D.N., a qual se encarregará das relações sociais da mesma C.D.N.
IX. Compete ao citado Conselho Consultivo elaborar e aprovar o Regulamento da C.D.N. (ass.) Simões Filho.
ESPÍRITO NACIONALISTA
Antes mesmo de Stanislavski como renovador da cena, o Teatro de Artede Moscou pôde provar a importância de sua existência e fundação, porque Nemirovich Danchenko descobriu Tchecov, encenou Gorki e produziu Tolstoi. Diante desta evidência, Stanislavski afirmou numa aula que “sem estes três grandes autores, o Teatro de Arte de Moscou não seria o teatro que vocês conhecem hoje”. O caráter nacionalista, no meu entender, foi um louvável esforço no sentido de tentar-se por inteira a emancipação do teatro brasileiro. Já por volta de 1837, Alberdi escreveu que entre outras condições da nacionalidade do teatro era a nacionalidade dos autores e atores compenetrados ambos – autor e ator – do espírito do povo “cujas idéias e paixões estão destinados a expressar no palco.” As idéias de Ismael Moyá em relação ao americanismo no teatro e a prédica de Sarmiento são de entender-se implícitas e explícitas na comédia, no poema, na novela não apenas uma afirmação de beleza mas também um expoente de patriotismo em termos de sentimento nacional.
DIREÇÃO – REPERTÓRIO - ELENCO
Encontrei em Henrique Pongetti, Diretor-Geral da “Dramática”, em Santa Rosa e Hugo Guimarães (Direção Artística), a afinidade intelectual e artística para atingir os objetivos colimados: um repertório significativo, diretores-encenadores competentes, um elenco de legítimos valores, elenco compreendendo atores e técnicos, tudo e todos formando uma só equipe sem estrelismos e dentro de uma disciplina que não chegava ao supermarionete de Gordon Craig, porque existiu tendo por base o respeito recíproco a buscar em proveito de todos o rendimento válido. Com este superior propósito, levamos à cena, em 1953, A Falecida, de Nelson Rodrigues; A Raposa e as Uvas, de Guilherme Figueiredo, e Canção dentro do Pão, de R. Magalhães Jr.. Três diretores-encenadores trabalharam simultaneamente as peças mencionadas a saber, respectivamente, José Maria Monteiro, Bibi Ferreira e Sérgio Cardoso que fez aí sua estréia em direção teatral. A seguir, em 1954, foram montados 4 textos: A Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues; Lampião, de Rachel de Queiroz; Cidade Assassinada, de Antônio Callado; e As Casadas Solteiras, de Martins Pena. Pela ordem acima, dirigiram as peças Bibi Ferreira, Mário Brasini, substituído por Ribeiro Fortes, e José Maria Monteiro. Participaram do elenco de intérpretes Miriam Roth, Sônia Oiticica, Washington Guilherme, Sérgio Cardoso, Walter Gonçalves, Edson Batista, Orlando Macedo, Renato Restier, Luiz Oswaldo, Déo Costa, Marina Lélia, Leste Iberê, José Araújo, Waldir Maia, Agostinho Maravilha, Maria Elvira, Leonardo Vilar, Nídia Lícia, Luiza Barreto Leite, Aurimar Rocha, Adalberto Silva, Ribeiro Fortes, Narto Lanza, Carlos Melo, Ferreira Maia, Magalhães Graça, Celme Silva, Ambrósio Fregolente, Zair Nascimento, Antônio Matta, Sílvio Teles, Maria Fernanda, Elísio de Albuquerque, Túlio Varga, Nestor de Montemar, Sidney Plader, Durval de Barros, Natália Timberg, Vanda Marchetti, Solano Trindade e seu Grupo de Teatro Negro, assim como Marionetes da senhora Iris Barbosa.
CORPO E ADESTRAMENTO TÉCNICO
Não resta dúvida que Vicente Fatone tem fundadas razões para julgar um perigo a interpretação nada consciente do ator, pois entende que a interpretação deve ser dirigida sempre no total e nunca abandonada a si mesma. Como Bharata, acredito que nenhum artista em qualquer modalidade jamais cumpre sua transcendente missão se não se sujeitar a uma disciplina de adestramento interior severo e obsessivo. A “Dramática” tinha por escopo dar aos intérpretes todos os elementos substanciais de elucidação para o desempenho tanto quanto possível perfeito. Havia, por exemplo, uma preocupação de uniformidade da prosódia de acordo com não somente a ortoepia ou ortofonia, a pronúncia correta das palavras, mas também com o clima ambiental da região da ação dos textos. Da prosódia ficou encarregado o Professor José Oiticica. A colocação da voz, empostação, emissão etc., era encargo da Professora Lydia Costallat e da supervisão de figurinos e indumentária, D. Sofia Magno de Carvalho que se especializara sobre a matéria em longa permanência na Europa. A “Dramática” contava com a colaboração do corpo docente do Conservatório Nacional de Teatro: não só os alunos participavam dos espetáculos como muito especialmente os professores nos ensaios técnicos. Se necessário, instrução de esgrima; se de história, como ilustração sociológica sobre os costumes, o aspecto político, o ambiente ou a vida de autores ou personagens, a época de Martins Pena, a de João Ramalho que, segundo alguns historiadores, Martim Afonso de Sousa, ao fundar São Vicente em 1534, já o encontrou lá; a vida no sertão e nas caatingas de Lampião e dos jagunços, a gênese do jagunço, a crença em Padre Cícero do “gnóstico bronco”, no dizer de Euclides da Cunha, enfim tudo que servisse de apoio para um trabalho interpretativo consciente. Na parte cenográfica e de figurinos reunimos Santa Rosa, Nilson Pena, Anísio Medeiros Harry olé, Cláudio Moura e Helena Rocha Macedo. A cenotécnica teve por efeitos de luz, Adelar Elias. Alberico Mello, o decano dos “Pontos”, funcionava apenas nos ensaios do texto e de marcações. A Administração ficou a cargo do veterano ator Ildefonso Norat, tendo como Secretários Henrique Marques Fernandes e Agnello Macedo. Nas duas únicas temporadas (1953-1954), a “Dramática” obteve 21 prêmios, incluindo menções honrosas. Vale citar os mais importantes: a Guilherme Figueiredo (A Raposa e as Uvas) de Melhor Autor; a Bibi Ferreira, pela mesma peça, de Melhor Diretor; a Sérgio Cardoso, idem, idem, de Melhor Ator; a Sônia Oiticica, de Melhor Atriz, em A Falecida, de Nelson Rodrigues; a Nilson Pena, de Melhor Cenógrafo e Figurinista de Canção dentro do Pão, de R. Magalhães Jr.; e a Anísio Medeiros, de Melhor Cenógrafo e Figurinista de A Raposa e as Uvas; todos em dinheiro da Prefeitura do Distrito Federal; da Associação de Críticos Teatrais, em Medalha de Ouro, a Guilherme Figueiredo (A Raposa e as Uvas), de Melhor Autor; a José Maria Monteiro, de Melhor Diretor (A Falecida) e a Leonardo Vilar, de Revelação de Ator.
A “Dramática” realizou espetáculos populares no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no Teatro Municipal João Caetano de Niterói, no Teatro Carlos Gomes, Teatro Ginástico, excursionou por São Paulo, Campinas, Bahia, Pernambuco, Juiz de Fora e Petrópolis. Distribuiu milhares de ingressos gratuitos para os sindicatos, grêmios literários, educandários, faculdades, associações de servidores públicos etc.
A Comissão de Honra da “Dramática” era constituída por D. Darcy Sarmanho Vargas, D. Helena Victoria Cerne, D. Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, as atrizes Lucília Peres e Iracema de Alencar.
Após assistir Canção dentro do Pão, de nosso inesquecível Raymundo Magalhães Jr., em uma récita no Municipal, Roquette Pinto disse: “Com esta peça, Raymundo, você abriu as portas da Academia”.
Rio de Janeiro, Brasil
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