ALDO CALVET
ALDO CALVET
TÓXICO contos DE LUIZ DE
SEVILHA DE ALDO CALVET
AVE MARIA
Dezoito horas! . . .
O frade trepou na torre da Igreja do Carmo, esticou o pescoço forte e pôs-se embevecido a espiar a vida . . .
Filhos da reclusão, invejou a liberdade vadiando lá em baixo . . .
Invejou, tambem os sorrisos maliciosos dos homens que podem sorrir maliciosamente para as mulheres maliciosas . . .
Os seus olhos, quentes e gulosos, cansados de uma só perspectiva, e, magoados de viverem esbarrados ante a desolação crua das paredes de sua cella – viuva de effigies de mulheres – iam-se sequiosamente, gulosamente, atrás das silhuetas femininas que, cheias de graça, viajavam dentro de lindas e vaporosas vestes, deixando no ar, um cheiro bom de carne e de peccado . . .
E o frade, lá de cima, com as narinas dilatadas, com os sentidos agachados, com os olhos inundados de volupia, espiava a vida, invejava a vida, ansiava pela vida, queria a vida vivida como os homens lá embaixo podiam viver . . .
E, como naquelle momento, se sentisse homem como os outros homems, ouvindo sobretudo a sua masculinidade forte e agressiva, magnificamente installada entre os ossos e a gordura, rugir dentro da jaula inutil da castidade, revoltada, viril, tetanizado, sadicamente, voluptuosamente, satanicamente, esmurrou com violencia a cara do sino e este sobresaltado, apavorado e louco de dôr, gritou para a humanidade as Avé-Marias ! . . .