ALDO CALVET
ALDO CALVET
Gênero:
Dramatização de I-JUCA-PIRAMA,
Poema-heróico de Gonçalves Dias – 1950
Sinopse:
GONÇALVES DIAS – UM INSTINTO DRAMÁTICO
Podemos dizer que existia em Antônio Gonçalves Dias não somente o grande poeta lírico que se realizou plenamente ao escrever os “Cantos” diante dos primeiros dos quais Alexandre Herculano não hesitou em situá-lo entre os maiores de sua geração, mas também havia nele um instinto dramático latente que, apesar de “Patkul”, “Leonor de Mendonça”, “Beatriz Cenci” e “Boabdil”, não chegou à realidade absoluta apenas por ter sido o dramaturgo arrebatado à vida aos 41 anos de idade.
Falando sobre “Leonor de Mendonça”, Ziembinski – um homem de teatro que conhece o seu ofício – afirmou que “o drama de Gonçalves Dias é uma prova inabalável do seu talento dramático”, reconhecendo nele, a seguir, plena “noção de funcionamento de um conflito teatral”. Descobre, depois, o “metteur-en-scène” a força do drama no diálogo, e isto salta aos olhos até mesmo nos seus poemas.
Em I-Juca-Pirama a ação dramática está exatamente no diálogo que se estabelece entre Timbira e o Moço-Tupi, entre o Velho-Tupi e o filho, herói-prisioneiro, ao imprecar-lhe a maldição da Pátria, dos homens, da morte na guerra.
Em todo o poema se encontra a estrutura teatral armada com efeitos emocionais por vezes épicos pelos grandes lances de heroísmo. Basta ler I-Juca-Pirama para perceber-se que o conflito cênico urdido aflora como uma simples conseqüência da própria trama dramática da luta maravilhosa que se trava entre competidores que só dentro da refrega se enobrecem e elevam.
Teatro puro e do melhor quilate é o que existe e se pode extrair da poesia lírica, simples e popular de Gonçalves Dias.
PERSONAGENS:
VELHO-ÍNDIO
ÍNDIO-MENINO
TIMBIRA
MOÇO-TUPI
VELHO-TUPI
NARRADOR
CORO
FIGURANTES ( índios, índias etc.)
CENÁRIO:
Ciclorama azul claro envolve todo o palco. Projeção de filmes ou slides de uma taba. Depois de criada a atmosfera cênica de clima e ambientação, deve ser focalizada em “close-up” uma maloca. Um refletor projeta, sentado num tronco, o Velho-Índio, que conta para o Índio-Menino, em mímica, uma estória qualquer. O Índio-Menino está sentado no chão, de pernas e braços cruzados. A iluminação sobre estas personagens entra em resistência e vai se apagando aos poucos. Durante esse tempo, o Coro, à E.B., recita.
SONOPLASTIA:
Som de tambores e alaridos da indaiaida anunciam o término de uma guerra entre nações rivais.
TRECHOS:
“CORO – ( Em ação simultânea com Velho-Índio e Índio-Menino)
“Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do Velho-Tupi.
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: meninos, eu vi” ( Repete )
NARRADOR – ( Só ) - É dia pleno de sol. Sol crepitante. Há uma brisa constante nas terras do Maranhão. O canto guerreiro se encandeia. Lá está sentado, ao chão, amarrado pelo colo com cordas de embira, os pés atados, um jovem esbelto e forte. É o Moço-Tupi, descendente dos tupis, cujas aptidões bélicas se tornaram famosas e conhecidas em todo o litoral, em virtude de sua expansão que precedeu a descoberta do Brasil. Os tupis habitavam as regiões dos rios Xingu e Tapajós. Eles partiram do Sul, por onde penetraram no Brasil. No sul, é verdade, permaneceram mais puros, ainda que de faculdade e cultura inferiores. Os colonizadores observaram que a corrente oriental dos tupis, seguindo pela costa do sul para o norte, se tornou mais importante e ativa devido, sobretudo, às sucessivas lutas para a expulsão dos ferozes tapuias. Pois este Moço-Tupi é descendente em linha reta dos tupis beligerantes que baniram das costas brasileiras os tapuias – “gente barbarísisma” – como dizia Frei Fernão Guerreiro. A expectativa é enorme na taba dos timbiras. Cercado de outros de sua tribo se acha o cacique Timbira, garboso das vitórias, ornado de plumas de vários matizes. Esse Timbira é da raça de Itajubá – o valente, o destemido. É “esbelto como o tronco da palmeira, flexível como a frecha bem talhada”. Descende de Jaguar, e Jurucei, de Catucaba, o primeiro no combate; de Japi, o atirador; de Jucarana, de Poti, Mojaçá, Mopereba, de Jatir e de tantos e tantos outros de tantas lutas ou de tanto muramunhã. Todos pertencem ao concílio guerreiro. No terreiro, em frente das malocas, arde crepitante fogueira em torno da qual dançam e cantam os silvícolas que vão lançando em ritmo macabro novas achas de lenha às chamas fumegantes. Timbira se ergue entre os muitos heróis de sua nação. Move a cabeça em cuja “fronte o canitar sacode” e “o enduape na cinta se embalança”, “na destra mão sopesa a inverapeme”; ao colo um colar de marfim orna-lhe o peito. São insígnias de honra. Timbira caminha agora em direção ao índio prisioneiro, o Moço-Tupi.
TIMBIRA – “ Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.
Folga morrendo; porque além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.”
MOÇO-TUPI –“ Eis-me aqui...
Pois que fraco, e sem tribo, e sem família”
TIMBIRA – “As nossas matas devassaste ousado,
Morrerás morte vil da mão de um forte.
Dize-nos tu quem és, teus feitos canta,
Ou, se te apraz, defende-te.”
MOÇO-TUPI – “ Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante
Que agora errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi curas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Andei longes terras
Lidei cruas guerras
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
E os campos talados
E os arcos quebrados,
E os piagas, coitados,
Já sem maracás;
Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De pernas ralado,
Firmava-se em mi.
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos
Chegamos aqui!
O velho, no entanto,
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um trôço guerreiro
Com que me encontrei;”
TIMBIRA – ( Corta ) O pai a seu lado
Já cego e quebrado
De penas ralado...
MOÇO-TUPI – “ Eu era seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou!
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
E os campos talados
E os arcos quebrados,
E os piagas, coitados,
Já sem maracás;
Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Meu pai a meu lado,
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi.
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos
Chegamos aqui.
O velho, no entanto,
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então,forasteiro,
Caí prisioneiro
De um trôço guerreiro
Com que me encontrei;” ...
“NARRADOR – (Olhando distante ) Na direção do ocaso... E lá se vão os dois chapada a dentro... ( Depois de breve pausa):
“Um velho timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do Velho-Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: meninos, eu vi!”
( O.T.) Mas depois de longa caminhada pela floresta agreste, eis o Moço-
Tupi e o Velho-Tupi diante de Timbira e seu concílio guerreiro:
VELHO-TUPI – “Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis...
Eu, porém, nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a mussurama ligeira;
Em tudo o rito se cumpra:
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
. . . . . . . . . ..
Alguém que meus passos guie;
. . . . . . . . . . . . .
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane.”
TIMBIRA – ( Com os sobrolhos encrespando )
“Nada farei do que dizes;
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue;
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto.” ...
VELHO-TUPI –( Com a voz surda na garganta e com rancor de tigre, dirige-se ao Moço-Tupi )
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito,
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando
Rejeitado dos homens na paz,
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és!”
NARRADOR – E o Velho-Tupi, tateando, vai se embrenhar nas matas humilhado, desonrado, perdido. Mas logo pára e volta aturdido, atraído por gritos de combate e peleja. É o filho muito amado, o “derradeiro brasão da raça extinta”, o Moço-Tupi que, enfurecido, se debate contra toda a tribo dos Timbiras. O Velho-Tupi chora de comoção e alegria ao ouvir do cacique Timbira o brado de reconhecimento da bravura.
TIMBIRA – ( Forte ) “Basta!
Basta, guerreiro ilustre assás lutaste
E para o sacrifício é mister forças.”
VELHO-TUPI - (Que ampara nos braços o Moço-Tupi, cansado de lutar, diz com grande júbilo )
“Este, sim, que é meu filho muito amado
uCorram livres as lágrimas que choro,
Estas lágrimas, sim, que não desonram.” ...
MUTAÇÃO – (Estamos diante do Velho-Índio e do Índio-Menino, tal como nos demais quadros)
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