ALDO CALVET

 

JORNALISMO : NOVIDADES


CRITÍCAS DE ALDO CALVET QUE SERÃO

PUBLICADAS NO FOLHETIM

Perdoa-me por me traíres,

no Municipal (4)


Provada a existência da “personagem-autêntica” – Nair, Glorinha, Pola Negri, Madame Luba, Dr. Jubileu de Almeida, Médico, Raul, Gilberto, Judith, Odete etc; verídicos os neuróticos e neuroses, reconhecidos os caracteres teratológicos; válidos os problemas sociais em consequência inclusive da crise econômica que provoca a desintegração moral da sociedade, resta apenas afirmar com decidida coragem que Perdoa-me por me traíres, como tragédia de costumes, reflete fielmente as mais íntimas e abjetas ocorrências de um mundo social em marcha acelerada para a dissolução total. Quem poderá negar que vivemos atualmente um estado de decadência moral de pleno fim de civilização? Que pretende Nelson Rodrigues senão dar o grito de alerta numa exposição realista de verdades sem sofismas, por violentas, cruéis e chocantes que pareçam? E isto só não basta como prova de honestidade artística? Nelson Rodrigues não deforma as criaturas humanas, porque essas criaturas existem, sofrem e lutam no desajustamento da sociedade contemporânea; o dramaturgo serve-se tão só das deformações e anomalias, na esperança desesperada de resguardar as reservas morais da atração abismal a que todos estamos expostos como parcelas indefesas do meio ambiente. Com a constante do impacto emocional, deseja ele como reação da platéia o pavor dos desregramentos, o horror aos vícios, o temor às seduções, o controle da conduta, o comportamento, o respeito mútuo dos laços conjugais, e tudo isso só é possível quando se mostram os perigos ao vivo, sem artificialismos e tapeações, sem embustes e sofismas. Por estranho que pareça aos olhos dos nativos ingênuos e aos sentimentos dos insipientes formalísticos, Perdoa-me por me traíres é uma obra dramática de conteúdo construtivo pelo alto conceito moralista em que se baseia e inspira. O escândalo diante do triste fim de Nair na mesa de operação e do também melancólico que espera Glorinha, é menos pela intervenção cirúrgica e mais pelo que se poderia ter evitado, desde que se cerrasse campanha contra a corrupção das casas de tolerância do tipo da de Madame Luba. Na exemplificação deste episódio, tiraremos em conclusão os demais. Aí está a grande e inequívoca mensagem de Perdoa-me por me traíres, mensagem que não nos humilha, já que, capacitados a compreendê-la, somente devemos ter motivos para admirá-la e aplaudi-la.

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